Somos carnívoros? As implicações para o consumo de proteína


A partir do princípio evolutivo que fundamenta a chamada "Dieta Paleo" — segundo o qual quanto mais próximo o padrão alimentar atual estiver da dieta que moldou nossa espécie, maiores seriam as chances de preservação da saúde — Miki Ben-Dor, da Universidade de Tel Aviv, propôs uma investigação instigante: o ser humano seria essencialmente carnívoro? E, se sim, quais seriam as implicações disso para o consumo de proteína?

Introdução: plantas versus animais no registro evolutivo

Por décadas, muitos estudos tentaram estimar a proporção entre alimentos de origem vegetal e animal na dieta paleolítica. Essas estimativas se basearam majoritariamente em analogias com a dieta de grupos de caçadores-coletores contemporâneos. No entanto, Ben-Dor alerta que essa abordagem é problemática: os contextos ecológicos atuais e aqueles do Paleolítico são radicalmente distintos. Animais de grande porte — que forneciam elevadas quantidades de gordura e proteína — eram muito mais abundantes no passado remoto do que hoje. Já a flora disponível também se transformou profundamente, tanto em variedade quanto em abundância relativa.

Estudos ecológicos demonstram um declínio drástico no tamanho corporal médio dos mamíferos terrestres ao longo dos últimos 2,5 milhões de anos, passando de cerca de 500 kg para menos de 10 kg. No Pleistoceno, as megafaunas eram comuns, e isso moldou o comportamento alimentar humano. Com o desaparecimento progressivo desses grandes animais, plantas tornaram-se mais relevantes para grupos humanos mais recentes — mas este seria um fenômeno relativamente moderno.

Evidências fisiológicas de adaptação carnívora

Ben-Dor recorre à fisiologia humana como fonte de informações para reconstruir nossa dieta ancestral. Diversos traços anatômicos e fisiológicos corroborariam a hipótese de um passado predominantemente carnívoro:

  • Desmame precoce: estudo publicado em PLoS ONE revelou que a idade média de desmame em humanos se aproxima mais da de carnívoros do que da de primatas não carnívoros, como chimpanzés. Isso refletiria a disponibilidade de alimentos ricos em nutrientes de origem animal, mais semelhantes ao leite materno.
  • Estrutura dos adipócitos: humanos apresentam número elevado de células de gordura pequenas, padrão característico de carnívoros, sugerindo metabolismo adaptado a uma dieta rica em proteína e gordura, e não em carboidratos.
  • Acidez gástrica elevada: entre 54 espécies analisadas, a acidez gástrica humana está entre as mais altas, indicando uma adaptação para lidar com altas cargas patogênicas típicas do consumo de carne, possivelmente envelhecida ou conservada por vários dias.
  • Aparelho digestivo: o intestino humano é significativamente menor, especialmente o cólon (77% menor que o dos chimpanzés), o que reduz a capacidade de fermentar fibras vegetais. Em contrapartida, temos intestino delgado proporcionalmente maior, especializado na absorção de proteína e gordura.
  • Adaptações locomotoras e para caça: características como a capacidade de corrida de longa distância ("persistence hunting") e a notável habilidade no arremesso (adaptada para o uso de lanças) reforçam o papel da caça na evolução de Homo sapiens.
  • Reservas elevadas de gordura corporal: humanos possuem reservas significativamente maiores de tecido adiposo em comparação com outros primatas, interpretadas como uma adaptação à natureza incerta da caça de grandes presas.

Além disso, adaptações genéticas para metabolização de amido e tubérculos surgiram apenas recentemente em termos evolutivos e estão distribuídas de forma restrita a certas populações humanas, sugerindo que tais alimentos não teriam papel central na dieta paleolítica.

O limite do consumo de proteína e a importância da gordura

Embora humanos tenham evoluído para uma dieta rica em carne, o metabolismo humano impõe um limite: a energia obtida a partir de proteína não deve ultrapassar 35-50% do total calórico. Exceder esse limite pode levar a um quadro conhecido como "envenenamento por proteína" ou "rabbit starvation".

Diante desse limite fisiológico, Ben-Dor argumenta que a dieta paleolítica necessariamente incluía elevadas quantidades de gordura animal para complementar a energia. O comportamento de priorizar presas grandes e caçadas em idade prime, transportar partes ricas em gordura e até extrair gordura dos ossos (marrow extraction) são evidências arqueológicas que sustentam essa estratégia.

A estimativa prática proposta é que, no auge do consumo, os humanos teriam ingerido aproximadamente 4,4–4,6 gramas de proteína por quilograma de peso corporal por dia, valor que combina a demanda energética e a reposição das necessidades proteicas básicas.

Conclusão: um status carnívoro adaptativo

O trabalho de Ben-Dor propõe que durante a maior parte de nossa evolução, humanos foram carnívoros adaptados, com dieta caracterizada por elevado consumo de proteína e gordura animal e baixo consumo de alimentos vegetais. Essa constatação tem implicações diretas sobre o entendimento moderno do papel da proteína na alimentação e sobre os efeitos potenciais de dietas ricas em carne e gordura para a saúde humana.

Essa análise também reforça a necessidade de repensar analogias feitas com populações de caçadores-coletores atuais e de considerar cuidadosamente as adaptações fisiológicas humanas antes de estabelecer diretrizes dietéticas contemporâneas.

Fonte: https://doi.org/10.15310/2334-3591.1096

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: