Os efeitos do consumo de uma dieta rica em proteínas (4,4 g/kg/d) na composição corporal em indivíduos treinados contra a resistência

Uma descoberta que desafia conceitos tradicionais sobre nutrição

Um estudo científico recente trouxe resultados surpreendentes que questionam algumas crenças estabelecidas sobre o consumo de proteínas e ganho de peso. A pesquisa, conduzida por Antonio e colaboradores, investigou os efeitos de uma dieta extremamente rica em proteínas na composição corporal de pessoas que praticam musculação regularmente.

O que tornou este estudo único

Os pesquisadores decidiram testar uma quantidade de proteína muito superior às recomendações habituais. Enquanto as diretrizes gerais sugerem entre 1,4 a 2,0 gramas de proteína por quilograma de peso corporal para pessoas fisicamente ativas, este estudo utilizou 4,4 gramas por quilograma de peso corporal - mais de cinco vezes a recomendação diária padrão.

Para colocar isso em perspectiva, uma pessoa de 70 quilos consumiria aproximadamente 308 gramas de proteína por dia, comparado aos cerca de 56 gramas recomendados para a população geral sedentária.

Como o estudo foi conduzido

A pesquisa acompanhou 30 indivíduos saudáveis que já praticavam musculação há anos. Os participantes foram divididos em dois grupos: um grupo controle que manteve sua alimentação habitual e um grupo que passou a consumir a dieta rica em proteínas durante oito semanas.

O grupo que seguiu a dieta rica em proteínas precisou utilizar suplementos de proteína em pó (whey e caseína) para conseguir atingir a meta diária, já que seria praticamente impossível consumir essa quantidade apenas através de alimentos convencionais. Durante todo o período, os pesquisadores monitoraram cuidadosamente a composição corporal dos participantes usando um método preciso chamado densitometria por deslocamento de ar.

Os resultados que surpreenderam os pesquisadores

Contrariando expectativas baseadas no conceito de que "calorias são apenas calorias", o grupo que consumiu a dieta rica em proteínas não apresentou ganho de gordura corporal, mesmo consumindo aproximadamente 800 calorias extras por dia durante as oito semanas do estudo.

Os resultados mostraram que não houve mudanças significativas no peso corporal, massa gorda, massa livre de gordura ou percentual de gordura corporal em nenhum dos grupos. Isso significa que, apesar do consumo adicional significativo de calorias, o excesso de proteínas não se converteu em gordura corporal.

Por que a proteína pode se comportar diferentemente

Os pesquisadores explicam que a proteína possui características metabólicas únicas que a distinguem de carboidratos e gorduras. Uma dessas características é o efeito térmico elevado, que significa que o corpo gasta mais energia para digerir, absorver e processar proteínas comparado a outros macronutrientes.

Estudos anteriores já haviam demonstrado que o consumo de proteínas pode aumentar o gasto energético em repouso entre 17% a 21%, especialmente em indivíduos jovens. Além disso, pessoas com composição corporal mais magra tendem a apresentar uma resposta termogênica mais pronunciada às refeições ricas em proteínas.

Comparação com outros estudos sobre excesso calórico

Este estudo se diferencia significativamente de outras pesquisas sobre excesso calórico. Investigações anteriores que utilizaram carboidratos ou gorduras como fonte principal das calorias extras consistentemente demonstraram ganho de peso e aumento da gordura corporal.

Por exemplo, um estudo que ofereceu calorias extras através de milk-shakes, barras de chocolate ou bebidas calóricas resultou em ganho significativo de gordura corporal após oito semanas. A diferença fundamental parece estar na fonte das calorias extras: proteínas versus carboidratos e gorduras.

Implicações para pessoas treinadas versus sedentárias

Um aspecto importante destacado pelos pesquisadores é que todos os participantes eram indivíduos treinados em musculação que mantiveram sua rotina de exercícios durante o estudo. Isso pode explicar parcialmente por que não houve ganho de gordura corporal, já que pessoas treinadas podem ter respostas metabólicas diferentes comparadas a indivíduos sedentários.

Estudos anteriores com pessoas sedentárias mostraram que o excesso calórico, mesmo com maior proporção de proteínas, ainda resulta em algum ganho de gordura corporal, embora também promova ganho de massa muscular.

O papel do tipo de proteína utilizada

Todos os participantes do grupo de alta proteína utilizaram principalmente proteína whey em pó para atingir suas metas diárias. Pesquisas indicam que a proteína whey possui efeito térmico superior comparada à caseína ou proteína de soja, o que pode ter contribuído para os resultados observados.

A proteína whey também demonstrou maior capacidade de estimular a síntese de proteínas musculares comparada a outras fontes proteicas, especialmente quando consumida após exercícios de resistência.

Limitações e considerações importantes

Os pesquisadores reconhecem algumas limitações importantes em seu estudo. Primeiro, eles não controlaram completamente outros aspectos da dieta além da proteína, permitindo variações no consumo de carboidratos e gorduras entre os participantes.

Segundo, não foram realizados exames de sangue para avaliar possíveis efeitos no funcionamento dos rins ou fígado. Alguns participantes relataram desconforto gastrointestinal e sensação de calor corporal elevado durante o período de alta ingestão proteica.

Aplicações práticas e futuras pesquisas

Este foi o primeiro estudo a demonstrar que uma dieta hipercalórica rica em proteínas não resulta em ganho de gordura corporal em indivíduos treinados. Os resultados sugerem que o conceito de "uma caloria é apenas uma caloria" pode não se aplicar quando a fonte é proteína.

Os pesquisadores sugerem que futuras investigações deveriam examinar os efeitos de dietas ricas em proteínas combinadas com programas de treinamento intensivos voltados especificamente para hipertrofia muscular. Também seria importante avaliar os efeitos de diferentes fontes de proteína durante períodos de excesso calórico.

Conclusões para a prática

Os resultados deste estudo indicam que pessoas que praticam musculação regularmente podem consumir quantidades muito elevadas de proteína sem preocupação com ganho de gordura corporal, desde que mantenham sua rotina de treinamento. Isso pode ser especialmente relevante para atletas em fases de ganho de massa muscular ou para indivíduos que desejam aumentar sua ingestão proteica por outros motivos de saúde.

No entanto, é importante enfatizar que este foi um estudo controlado com acompanhamento médico, e não uma recomendação para que pessoas adotem dietas extremamente ricas em proteínas sem orientação profissional. A individualidade biológica e diferentes respostas metabólicas devem sempre ser consideradas.

Este estudo pioneiro abre novas perspectivas sobre como o corpo processa diferentes macronutrientes e desafia conceitos estabelecidos sobre metabolismo energético, contribuindo para uma compreensão mais sofisticada da nutrição esportiva e do controle da composição corporal.

Fonte: https://doi.org/10.1186/1550-2783-11-19

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